MEMÓRIAS DE UMA AVENTURA PEREGRINA A SANTIAGO DE COMPOSTELA
8 de Abril de 2009 - DIA 0 – Os preparativos
A aventura iniciou-se mesmo antes de começar. Desde a verificação das máquinas à argúcia de acomodar todos os haveres numa mochila, este foi um dia de expectativa. Se alguns dos aventureiros estavam munidos de alforges (ou seriam albergues?) outros, como eu, colocavam um sem número de pertences numa mochila às costas num espaço tão exíguo que só visto…
Consultando a previsão meteorológica, verificamos que o São Pedro queria dar um ar da sua graça, pois aguardava-nos algo parecido com uma rega, que acreditávamos, seria de água benta.
Mas o fulgor não esmoreceu. Esta era uma aventura que todos queríamos viver e que eu vou aqui tentar contar…
9 de Abril de 2009 – Dia 1 – A partida e a 1ª Etapa entre a Sé Catedral do Porto e a Pousada da Juventude de Ponte de Lima (100 Km)
Este dia, que teve início com o despertar entre as 5h30 e as 6h00 da manhã, conforme os fusos horários das casas de cada um dos participantes, contou com um prólogo entre a Areosa (maison dos irmãos Paula e Fernando Maia) e a Sé Catedral do Porto. Aqui depois da irmã Paula ter levantado e carimbado (o 1º dos vários que viríamos a colocar ao longo do percurso) os passaportes e do agente Santana ter aberto o caminho, deu-se a partida por volta das 10h30.
Descendo a Rua Pouco Iluminada (mais conhecida por Rua Escura) lá fomos pedalando seguindo um sinal que jamais tínhamos visto – SETAS AMARELAS!!! De facto, nunca tínhamos vislumbrado sequer uma única seta inscrita nos muros, casas, postes de iluminação, enfim, por todo o lado tínhamos orientação artesanal do GPS, materializado numa seta de cor amarela pintada à mão. Sorridentes e confiantes, em grande forma (pois só tínhamos pedalado umas centenas de metros) seguimos o nosso desiderato, passando pela Praça dos Leões, rumo a Cedofeita, ultrapassando a Circunvalação, conquistando Matosinhos, Maia, Vila do Conde, Póvoa do Varzim, Rates, Barcelos e finalmente Ponte de Lima. De salientar que nos entre tantos fizemos a primeira paragem em Monte dos Burgos onde foi colocado o 2º carimbo na casa de bikes “Pato Cycles”.
Daqui, com pedalada firme, partimos até a segunda paragem técnica em Gião – Vila do Conde, onde tomamos o pequeno-almoço constituído por cafés, bolos, compais e outras coisas que tais. Aqui perto da confeitaria, colocamos o 3º carimbo na ourivesaria “Bibelô”.
Entretanto, na cabeça de corrida, seguiam indiscriminadamente quase sempre os mesmos – o irmão Maia, o irmão Natálio e os outros também, que a saber foram a irmã Paula, o irmão Quim, o irmão Ferraz, o irmão Fernando e moi même (irmão Paulo).
Entre o veste e despe impermeável, a chuva e o frio teimavam em nos acompanhar. Mas para estes “Bravos do Pelotão” até podia cair neve ou granizo, que nada nos detinha. Até que em Rates, colocamos o mais bonito dos carimbos (era já o 4º do nosso pecúlio), numa pequena loja situada em frente ao albergue dos peregrinos. Uns metros à frente, eis que surge uma pequena capela enfeitada com uma bonita laranjeira que serviu de repasto para umas quantas laranjas que migraram para o “bucho” de cada um dos irmãos. Depois de uns momentos abrigados da intempérie em geral e da chuva em particular, a tentar encontrar um relógio que fora oferecido por um benemérito local, demos seguimento à nossa história.
Umas horas mais tarde, debaixo de um temporal, surge o 1º grande “galo” desta viagem, estávamos prestes a conquistar Barcelos. E aqui, depois de colocarmos o 5º carimbo na “Real Irmandade de Barcelos”, fizemos uma paragem técnica para nos abrigarmos da chuva, do vento e do frio e para além do espírito alimentarmos a barriguinha de cada um de nós. Assim, lá tivemos de dar cabo de uma bifana, regada com cerveja, coca-cola e água. Mas o nosso negócio não era restauração e com empenho e perseverança lá nos metemos ao caminho, juntamente com a nossa companhia deste primeiro dia de viagem – a chuva.
Muitos peregrinos irmãos fomos cruzando e ultrapassando, ora de bici ora a calcar terreno. Solitários ou em grupo, tal como nós, iam enfeitando com um colorido resistente estradas e caminhos em direcção a norte, sim porque norte sempre foi e será uma “Naçon”.
Onde é que eu já ouvi isto? Uns trajectos mais acessíveis e fáceis outros nem por isso, nada nos fazia travar o ímpeto. O destino era Ponte de Lima e mais nada… Até que cerca das 18h00, entramos na localidade de destino desta 1ª etapa e para comemorar o feito, uma das “burras” teve um percalço num dos “cascos”.
É verdade, o 1º furo, obra e graça do irmão Paulo, aconteceu em plena margem direita do Lima e a escassos metros do centro da cidade com o mesmo nome a seguir à “Ponte de”.
Mas o mais desejado estava para vir, a chegada à Pousada da Juventude que depois de uma ou duas avarias no GPS, lá a encontramos, mesmo ali à mão de semear. À entrada da Pousada, em pleno hall, encontramos um dos grupos que como “nosotros” tinham como objectivo chegar 2 dias depois a Compostela. Depois de negociarmos com os “Butragueños” a colocação das bikes no hall da pousada, sim porque não foi fácil definir o local onde as guerreiras “burras” enlameadas e irreconhecíveis iriam descansar desta jornada, rumamos para cada um dos quartos que nos estavam destinados. Fácil foi a definição dos ocupantes de cada uma das “camaratas”, que a saber contou com a seguinte distribuição: 1) o casal de irmãos Maia (terá havido sacrilégio durante a noite?); 2) o irmão presidente do Gil de Sousa (mais conhecido por Quim) e o irmão Ferraz; c) os irmãos Fernando e Paulo e por último, porque as tralhas transportadas nos alforges (ou seriam albergues?) eram muitas, o irmão Natálio ficou em descanso solitário.
Mas antes do descanso dos guerreiros, nada melhor que um excelente banho quente, que em média durou 15 a 20 minutos, onde depois de entrarmos vestidos para tirar toda a lama acumulada a que tivemos direito durante a etapa, saímos retemperados e bem vestidos!!! para o merecido repasto, no restaurante “O Gaio”, à luta com um arroz de sarrabulho e uns rojões à moda do Minho acrescido de uma travessa de tripas enfarinhadas (ou terão sido 2? ou 3?) e regadas com um tinto do Douro aquecido a 14 graus célsius ou “alcoólicus”?
Cerca de 2 horas depois, rumamos à Pousada para rapidamente fazermos uma pequena viagem nocturna de Ponte de Lima a “caminha” ou melhor dizendo, a “vale dos lençóis”.
10 de Abril de 2009 – Dia 2 – 2ª Etapa entre Ponte de Lima e Pontevedra (105 Km)
Depois de uma noite a recarregar baterias, a alvorada deu-se cerca das 7h30. De porta em porta, o irmão Maia distribuiu uns “genéricos” ups!!!, não foram genéricos, foram sim “Guronsan ”, “Voltaren ” que não faz mal nem faz bem e “Tramal” que não faz bem nem faz mal (chiu que pode andar por aí o CNAD), para que as mazelas do dia anterior e as que haviam de surgir não interferissem negativamente no desenvolvimento da odisseia. No entanto, numa das habitações, algo insólito terá acontecido.
Talvez devido a uma ruptura no tubo de ar comprimido de um dos irmãos Quim ou Ferraz, parece ter havido um ruído ensurdecedor. Entretanto o enigma despoletou! Terá sido o irmão Quim ou o Ferraz? O 1º não tem dúvidas, foi o 2º. Este por sua vez não aceita este prémio, encaminhando a autoria para o 1º. Com acusações mútuas, só a inquisição poderá dar um veredicto definitivo. Acontece que o irmão Ferraz é o único que declara não ter dado conta do temporal que aconteceu naquela noite, indiciando que o seu repouso foi total. Neste contexto, parece não haver dúvidas que a autoria da composição sinfónica, que teria reduzido à insignificância qualquer Ludwig van Beethoven ou Johann Christian BACH, será do irmão Ferraz (1-0 para o irmão Quim).
Mais tarde, já equipados, e depois de um pequeno-almoço ao ritmo do “Bom Dia Portugal” da RTP1, composto por leite, café, sumo de laranja, cereais, pão, queijo, fiambre, manteiga, compota e iogurte (fogo! Nunca mais acabava a lista de géneros!!!) partimos para a 2ª fase da viagem, não sem antes colocar no passaporte o 6º carimbo na Pousada e o 7º na Irmandade de Santo António da Torre Velha. Depois de atravessarmos o Lima pela ponte que nos conduzia à Irmandade, cruzamo-nos com um grupo de betetistas de elite (até tinham carros de apoio) que de entre as várias palavras cruzadas, salientámos o seguinte comentário proferido por um jovem: “Oh pai, eles até levam uma mulher!!!”. Bem, oh miúdo, não se trata de uma mulher. Trata-se de uma Lady, a irmã Paula.
Minutos depois estávamos a caminho de Pontevedra, o nosso objectivo do dia. Entre o coloca e retira impermeável, estávamos a viver a etapa mais dura da aventura. Que nos perdoem as mulheres ou namoradas, mas fartamo-nos de “namorar” colinas acima.
De salientar que mesmo o casal de irmãos participantes neste desiderato, tiveram o seu momento afectivo com as suas companheiras (4 KTM, 1 SCOTT, 1 FOCUS e 1 BERG). Que lindo! Ao longo do intenso momento de autêntico culto ao Cúpido (qual dia de S. Valentim) lá fomos colocando umas pedrinhas testemunhando a nossa passagem pelos Caminhos de Santiago.
O café a meio da manhã, acompanhado de bolachas (as que sobraram daquelas que o irmão Maia deixou cair) foi tomado em Revolta – Labruja, freguesia pertencente a Ponte de Lima, onde foi colocado o 8º carimbo.
Minutos depois e após novo furo na KTM do irmão Paulo (e vão 2) arrancamos rumo à próxima localidade - Paredes de Coura onde colocamos os 9º (Confraria de S. Bento da Porta Aberta) e 10º carimbos (Jaime António Sousa), não sem antes o pelotão se ter perdido do caminho certo e do irmão Paulo, que se atrasou na retoma do percurso e andou Kms na tentativa de se juntar à irmandade. Mas este percalço foi sol de pouca dura, pois após uma simples chamada telefónica (sim, porque nós somos peregrinos com acesso às novas tecnologias) rapidamente o grupo maravilha se completou no rumo e azimute certos. Mais acima, em Arão (Concelho de Valença), deu-se mais uma paragem técnica para uma “sandoca” de presunto e uma “bejeca”, aproveitando a ocasião para colocar o 11º carimbo em Valença, na Casa Silvestre Lopes Martins (Mercearia – Cafés e Vinhos). Imediatamente antes de chegarmos à Casa Silvestre, a irmã Lady (invejosa) teve de copiar o irmão Paulo e fez questão de furar. Vejam só!…
A partir daqui tivemos que dar corda (não aos patins) às rodas, lançando-nos aos caminhos de forma a chegarmos a Pontevedra ainda de dia. Não se tratava de tarefa fácil, pois para que conste, esta etapa foi tão dura que em 3 horas apenas tínhamos percorrido 15 Km (tanto tempo gasto a namorar!!!).
Mais uns metrinhos à frente e adivinhem quem furou? Acertaste! Como conseguiste? Sim, claro, fui eu (irmão Paulo). Cumpriu-se a velha máxima de que não há 2 sem 3 e o terceiro furo foi genialmente tratado pelo irmão Fernando Moreira, que com uma bomba genial de 150,00€!!!, apenas necessitou de 2 bombadas para tornar duro aquilo que tantas vezes fica mais mole do que… (parafraseando o Octávio Machado) “vocês sabem do que estou a falar”.
Bem. “Mas falemos de coisas bem melhores, a Laurinda Faz vestidos por medida, o rapaz estuda nos computadores, dizem que é um emprego com saída…”. É verdade. Este foi apenas um pequeno excerto de verdadeiras manifestações de talento musical (há canário!!) que o irmão Paulo, acompanhado do seu MP3, presenteou o grupo ao longo dos difíceis quilómetros que fizeram parte desta jornada. Até que cerca das 13h00, quando a irmã Paula decidiu imitar o irmão Paulo fazendo questão de furar, avistamos ao longe, não uma miragem nem o super-homem, mas sim um toldo vermelho que indiciava local de culto culinário. Sim, estava na altura de combater a “fomeca” que começava a “tolher” alguns dos peregrinos, pese embora a ingestão das sandes de rojão e batata feitas das sobras do jantar do dia anterior.
Eis que foram “deitadas abaixo” umas sandes de presunto solenemente regadas (mais uma vez) com cerveja e coca-cola. De referir que chegamos a temer que a congregação iria ficar reduzida a 6 elementos, quando a irmã Paula foi avistada já dentro do balcão do Silvestre. Mas não. Foi falso alarme. Embora convidada para ficar, a Irmã decidiu-se pela peregrinação, uma vez que o Silvestre não teria dinheiro para pagar a cláusula de rescisão do contrato. Assim, 30 minutos mais tarde, após um cafezinho (sem cheirinho), prosseguimos a nossa viagem. Mantendo as características anteriores, os percursos mantinham-se muito variados e duros, seja com pedras, lama, areia, alcatrão, paralelo ou água, tudo morria aos pés, ou melhor dizendo, aos pneus das gazuas que transportavam estes “mui” nobres cavaleiros.
Até que passamos a fronteira em Valença e passada a ponte entramos em Tuy, para aí colocarmos o 12º carimbo na Catedral de Cabildo. Quais “Armstrongs”, quais “Contadores”, venham eles…
É verdade! Enquanto o diabo esfregava o olho, passamos Porriño e Mos. No entretanto, a passagem pela zona industrial da “cuidad” de Vigo foi feita em velocidade vertiginosa, de tal forma, que senti, no mínimo 2 ou 3 flashes. Não! Não foram flashes dos radares ou dos repórteres fotográficos. Foram mesmo raios e coriscos mas nos músculos. Até parece que tínhamos o demónio no corpo.
Até que, num dos caminhos mais tortuosos que conquistamos, caracterizado pela pedra e a “descer” para cima, o irmão Natálio teve um desejo, embora tivesse dormido sozinho na noite anterior!!!! “Comia agora umas laranjas”, disse ele. Acontece que neste grupo nada é impossível e os desejos poder-se-ão tornar realidade com a maior das facilidades. Neste contexto, o irmão Paulo, na tentativa desesperada de satisfazer um dos seus “irmões”, apelando à Fé!!!!, fez surgir, em pleno caminho, um saco de laranjas, ainda embrulhadas em celofane, que fez questão de distribuir por todos, inclusivamente por irmãos de outras irmandades que como nós tinham como destino Santiago de Compostela. “E esta, hem?” É verdade, Fernando Peça não diria melhor! Ou seja, nesta peregrinação não se fez o milagre das rosas mas o das laranjas!!!, obra e graça do irmão Paulo. Vai daí e depois de saciada a sede com vitamina C, continuamos na conquista de quilómetros ultrapassando paredes e muros que se sucediam como de um calvário se tratasse. Foi mesmo duro!
Até que, a 20Km de Pontevedra, em Redondela, fizemos mais uma paragem técnica de repasto merecido. Lá tivemos de dar cabo de um “bocadillo” de chouriço e de uma caña, renovando e atiçando a vontade para os derradeiros Km desta etapa. Cheios de vontade (de chegar a Pontevedra), rapidamente alcançamos as localidades de Cesantes e Arcade, e assim, cerca das 19h30, entravamos em Pontevedra. O sorriso de satisfação e admiração apoderara-se de todos nós. É verdade. A cidade estava na rua, pejada de gente aguardando a apoteótica chegada do grupo dos irmãos da Irmandade Lusitana da Congregação Giro e Gil, sendo uma do Mar e outra de Sousa. Não queríamos acreditar! Tudo isto por nossa causa?! Mas não! Não era esse o motivo do aglomerado populacional. As pessoas aguardavam sim, mas a passagem da procissão. Mas tudo bem. Não ficamos com o prémio mas nada nos tira a sensação. Somos bons e “mai” nada (citando Fernando Rocha).
Até que, depois de alguns momentos de hesitação e de um percalço com um furo na “bici” do irmão Maia, profissionalmente resolvido por ele mesmo, seguimos caminho, atravessando a ponte e estacionando as bikes, completamente enlameadas e irreconhecíveis, numa das salas do Restante D. Pepe em Pontevedra. Mas aquilo que realmente ansiávamos com ansiedade era a visita ao outro lado da rua onde o restaurante D. Pepe dá lugar ao hotel com o mesmo nome. Huau!! Que grande banho (quentinho) nos aguardava. Entretanto, procedeu-se a alterações técnicas no que diz respeito à distribuição dos irmãos pelos quartos. Definitivamente, o irmão Quim, não desejava passar mais uma noite a ouvir o “roncar” dos motores (ou seriam protestos vindo do interior) do irmão Ferraz. Assim sendo, o irmão Natálio teve o privilégio de ter uma companhia nocturna inédita nesta jornada. Cerca de um banho depois, já quentinhos e arranjadinhos, outro pormenor ansiado desta jornada nos aguardava – o jantar que fora composto por um peixinho de 1º prato e uma carninha de 2º, abençoados por “viño”, “caña” e coca-cola e finalizado com un café “solo” depois de um tranquilizador “helado” de chocolate e baunilha.
Após o repasto, já recuperados da “fomeca”, decidimos dar um passeio subitamente interrompido a meio da ponte. É que não tínhamos feito mal a ninguém e preparávamos para andar uns quilómetros ao frio, quando o que verdadeiramente estávamos a precisar era de um verdadeiro descanso do guerreiro. E foi o que fizemos, não sem antes o irmão Maia ter decidido avariar a cama do irmão Fernando Moreira, após lhe ter dado uma volta de 90 graus. E disse avariar, porque as camas do D. Pepe eram articuladas, respondendo suavemente à acção de comandos eléctricos, permitindo descansar as pernocas colocando-as ao alto em grande estilo. E assim foi, noite dentro…
11 de Abril de 2009 – Dia 3 – 3ª Etapa entre Pontevedra e Santiago de Compostela (66 Km)
E fez-se luz, matinal é claro, pois eram já 8h00 da manhã e estávamos próximos de alcançar o objectivo traçado. Uns após outros ou vice-versa (não interessa para o caso), lá fomos saindo dos quartos em direcção à saleta do pequeno-almoço. Após uma breve batalha com sumo de laranja, café com leite, pão, fiambre e queijo, compotas, manteiga, bolos, cereais e outras coisas que tais, atravessamos a rua, sentindo nos rostos dos guerreiros consideráveis saudades das “burras”, após tantas horas sem “acasalamento”. A noite (das burras) não tinha sido muito tranquila, até porque, e uma vez mais, um dos cascos da “mula” do irmão Paulo não estava famoso. Entretanto, porque a gestão do material se impunha, optou-se pelo conserto (enchimento) em detrimento da substituição. Assim, e após mais duas carimbadelas do hotel e do restaurante Don Pepe no passaporte de viagem (foram já os 13º e 14º carimbos da jornada) lá seguimos para norte (sim, porque pessoalmente teria recusado caminhar para Sul… faz-me lembrar a Mouraria!!!).
De azulejo em azulejo ou se quiserem de vieira em vieira, raramente nos enganamos, tirando as vezes que erramos o caminho. Afinal, 66Km fazem-se de pernas às costas, embora aqui tivesse sido de pernas (e pés) aos pedais. Se tínhamos deixado para trás caminhos bonitos, estávamos a conquistar trajectos fantásticos. Cada quilómetro alcançado, fazia aumentar a nossa ansiedade em chegar à praça de Santiago.
O 15º carimbo foi colocado à passagem pela “Proteccion Civil (bombeiros) del Concello de Valga” que depois de umas fotos para a posteridade, lá nos deram a bênção para o que restava da pedalada.
E lá seguimos, colimas abaixo até lá acima ou montes acima até lá abaixo. De facto, ao 3º dia de peregrinação, toda a integridade intelectual e/ou física começa a não estar assegurada. Mas a caravana lá seguiu para que no seu passaporte ficasse registado mais dois testemunhos carimbados, o 16º com o timbre de Santo Tomás e o 17º com a chancela de Santa Maria de Carracedo. Havíamos alcançado as “Caldas de Reyes”.
Monte abaixo ou acima (como referido atrás), por estrada, caminho de ferro ou linha de água, as nossas “Bicis de todo el terreno” iam consumindo quilómetros atrás de quilómetros. Estávamos assim prestes a alcançar a última localidade de referência antes de alcançar a Praça de Santiago – Padron. Aqui, na terra dos famosos pimentos de Padron, colocamos os 18º e 19º carimbos, com a marca de Santiago de Padron e do Hotel Scala nos “Pazos” daquela ciudad.
A ansiedade aumentava e notava-se, no semblante dos cavaleiros luso-nortenhos a sensação da chegada e da tarefa cumprida e comprida para “carago”.
Até que, cerca das 13h30, eis-nos perante a catedral desejada. A nossa “peregrinação tinha chegado ao fim sem percalços de grande monta e sem lesões. Deitadas as “bicis” no chão, estavam estafadas, coitadas, seguiram-se abraços e manifestações emocionadas. Conseguimos!!!
À nossa chegada, tínhamos 3 companheiros de luta que não puderam participar directamente no evento, mas que foram fundamentais na concretização total desta aventura. A saber, foram os irmãos Tino, Vítor e Zé Carpinteiro, este por vezes alcunhado de “Zéporcointeiro!!!” que tiveram a missão, montados em duas “burras” da herdade Benz, de pura raça Mercedes, recolher bicis e aventureiros. A estes, o nosso agradecimento, pois fazer de bike o caminho de volta, não estava exactamente nos nossos planos. Assim, apenas faltava o derradeiro carimbo (nº 20) da catedral e recolher o diploma do feito. Cerca de 30 minutos depois, esperando numa fila (ou bicha se preferirem) a nossa vez, cada um de nós foi laureado com o “canudo”. Faltava apenas um banho retemperador, que após várias hesitações aconteceu num seminário. Fresquinhos, com vontade de regressar, lá nos pusemos a caminho do Porto. Pela primeira vez nesta aventura, as bicis ficaram em cima e os aventureiros em baixo… E lá vieram os BENZ estrada fora de regresso.
Foi o relato possível deste desiderato. Aos peregrinos, um sentido obrigado pela companhia e amizade. Foi um prazer partilhar convosco esta missão. Ao Tino, ao Vítor e ao Zé um enorme abraço, pois foi como se connosco tivessem partilhado esta aventura.
Saudações “velocipédicas”
Paulo Mota (Brother)
Notas:
1- O atraso na publicação desta crónica é da inteira responsabilidade do Tinus - Será da inveja por não ter participado?
2- As fotos estão colocadas de forma um pouco aleatória, mas destinam-se apenas a "embelezar" e mostrar as peripécias e as dificuldades que eles ultrapassaram.